19 de junho de 2009

Ridendo Castigat Mores

Trabalho de História, 2º bimestre. Contém SPOILERS


Década de 1960. Auge da Guerra Fria. O embate indireto entre EUA e URSS começava a deixar claro que qualquer faísca liberada por um dos dois lados poderia, a qualquer momento, gerar uma guerra onde não haveria vencedores. Quando os EUA lançaram as bombas atômicas em Hiroshima e Nagazaki em 1945 estava lançada uma mensagem política: os norte-americanos têm poder de destruição e não têm medo de usá-los. Após a destruição dos regimes nazifascistas da Europa, a nova ameaça para a terra do Tio Sam era o comunismo de Stalin e era para ele essa mensagem.

A partir de então, uma corrida nuclear teve início. As duas superpotências passaram a ter nas mãos a decisão de varrer da Terra seus inimigos (e com eles o resto do mundo). O imaginário da população norte-americana foi, então, alimentado pelo discurso anticomunista. Propagandas na televisão e filmes que plantavam a semente da dúvida afirmavam quem era o inimigo e que ele podia estar em qualquer parte, se infiltrando na sociedade e destruindo seus pilares.

Foi com base na combinação entre a paranoia e a corrida que podia levar ao fim do mundo que Stanley Kubrick adaptou o livro Red Alert (Peter Bryant, 1958) para as telas do cinema com o nome de “Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb” (“Dr. Fantástico”, em português). Ao contrário de seu contemporâneo Sidney Lumet, que abordou a combinação de uma forma dramática em Fail Safe (EUA, 1964), Kubrick optou por olhar o tema com os olhos da comédia. O resultado foram quatro indicações ao Oscar, seis indicações e três prêmios no BAFTA (British Academy of Film and Television Arts) e o Prêmio Bodil de melhor filme americano. Tamanho resultado deve-se a uma série de fatores combinados de forma genial por Kubrick, a começar pelo roteiro e a maneira como foi articulado.

O general americano Ripper (Sterling Hayden), tomado por uma teoria de que os soviéticos estariam envenenando seus fluidos corporais, envia um comando de ataque para um avião-bombardeiro que, em tese, só deveria ser ordenado pelo presidente. O avião, isolado por exigência do plano, prossegue com a missão enquanto o General Turgidson (George C. Scott) se reúne com o presidente Merkin Muffley (Peter Sellers) e seus homens na Sala de Guerra. Cabe a Lionel Mandrake (também interpretado por Seller), capitão britânico que está em serviço nos EUA, controlar Ripper que se suicida quando a base é invadida por tropas americanas que buscavam o código de bloqueio à missão que só o general conhecia. Na Sala de Guerra, Muffley convida o embaixador soviético Alexei de Sadesky (Peter Bull) para entrar e auxiliar no contato com o premier da URSS.

Bêbado, o premier afirma que tem uma máquina que dispara automaticamente capaz de destruir tudo. O embaixador Sadesky explica que os cientistas soviéticos fizeram a arma porque não teriam dinheiro para uma corrida armamentista e para uma corrida da paz enquanto ainda tinham que supri as necessidades do povo. No entanto, o diretor de desenvolvimento de armas, Dr. Strangelove (mais uma vez, Peter Sellers), afirma que essa é na verdade uma arma psicológica, para plantar o medo do ataque na cabeça do inimigo. Diante de um quadro praticamente irreversível de destruição (o avião do ataque permaneceu isolado e seguindo com a missão), Strangelove sugere um plano de continuidade da raça humana em lugares subterrâneos, no qual computadores selecionariam os melhores da raça para procriar e liderar uma nova sociedade. Enquanto fala sobre o plano, Turgidson descobre que Strangelove é na verdade Herk Vert Líber, um cientista alemão perito em guerra nuclear que passa a trabalhar para os EUA após a guerra. Durante sua narrativa, Strangelove começa a se exaltar: sua mão, como que por vontade própria, se levanta em direção ao presidente enquanto o chama de “fuhrer”. Num momento de êxtase, Dr. Strangelove se levanta de sua cadeira de rodas, momento que coincide com o momento em que o Major T. J. "King" Kong (Slim Pickens) cai junto com a bomba atômica em território soviético. O fim do mundo é representado com várias imagens de explosões ao som de “We’ll meet again” (“Nós nos encontraremos de novo”).

A cena final que se passa na Sala de Guerra é essencial para uma crítica importante revelada na obra de Kubrick. O diretor compara explicitamente a paranoia e a falta de limites alcançados por nazistas e, agora, por ambos os lados da Guerra Fria. A dimensão que “a guerra que não era guerra” havia tomado havia tomado tais proporções que seriam iguais ou piores à dimensão da destruição causada pelo nazismo. Nesse ponto da história, se encontravam de novo uma situação extrema e a falta de limites. O verdadeiro inimigo de ambos os pólos da Guerra Fria era, na verdade, a própria capacidade do ser humano de se autodestruir.

Outra questão levantada é a necessidade estranha que uma potência tem de sempre estar combatendo algo para se afirmar. Para os EUA, primeiro o nazismo, depois o comunismo e, atualmente, o terrorismo. Outro reencontro que acontecerá não se sabe onde nem quando e que pode levar a mais episódios que mostrem que essa capacidade de autodestruir-se do homem não tem freios, como demonstrado nos últimos combates da história.

Rindo e brincando com metáforas, Stanley Kubrick castiga os costumes e a paranoia americana, alertando sobre o que chegou muito perto de acontecer.

Um comentário:

Ivan Câmara Corrêa disse...

Excelente comentário sobre uma obra prima do Kubrick. Parabéns pelo post, pelo conhecimento e abordagem. Ivan.